Cine PE: religião do Carnaval domina noite de celebração

Cine PE: religião do Carnaval domina noite de celebração

O segundo dia de competição reforçou a criação do Carnaval como uma festa vital para a construção da identidade pernambucana

“Minha família me ensinou que a gente não brinca Carnaval porque Carnaval é coisa séria”, comentou Mariana Soares no palco do Teatro da Parque, nesta terça-feira, 10, para apresentar seu documentário. Como o próprio título resume bem, “O ano em que frevo não foi pra rua” nos devolve às angústias da pandemia do coronavírus numa tragédia cultural ainda mais grave para Pernambuco: ninguém imaginou que, um dia, o carnaval não poderia acontecer.

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Filmado em preto&branco, o filme começa com uma série de relatos captados entre 2020 e 2021 durante o isolamento social. Visivelmente emocionados, os depoentes lamentam a ausência da festa como uma morte coletiva e insuperável - àquela altura, imaginavam que esse drama não aria de um ano. Mas ele se dobrou em dois, porque a cidade também precisou parar em 2022 por conta do aumento feroz dos casos da doença.

Com uma narrativa estruturada de forma muito protocolar, numa abordagem mista de jornalismo e cinema para dar vazão à diferentes contextos e personagens, o filme pode soar mais longo do que os seus modestos 71 minutos. O contraponto de saudade e reencontro não é tão calibrado para potencializar a emoção, o que acaba dando um aspecto ultraado para um filme feito de forma urgente, mas que só está sendo visto muito depois da urgência.

Apesar disso, a força mais atraente do documentário é o jeito como esse Carnaval é apresentado para muito além da festa ou de sua força econômica - como parte vital do sentido de muitas vidas, toma a tela muito mais perto da religião. A tradição dessa alegria irrefreável surge como uma celebração mútua de ado, presente e futuro, fazendo com que diferentes ancestralidades populares sejam mantidas e reconstruídas no tempo. “É meu pai que está ali”, comenta um filho, num luto honrosamente festivo, ao apontar para o boneco de um boi dançante no meio da folia.

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A força mística desse filme, porém, não seria a mesma se não tivesse sido precedido pelo curta-metragem “O Carnaval é de Pelé”, de Lucas Santos e Daniele Leite, que apresenta um dos personagens mais fascinantes até então: um enfermeiro aposentado que relembra seus momentos como brincante do Bumba Meu Boi, Boi Tira-Teima”, grupo centenário que era mantido por seu pai. Com o corpo cansado, porém, ele também precisou se aposentar da folia. É um filme muito simples e que se basta ao relato, mas é justamente ele que nos faz ver a gravidade: no seu olhar, uma grande tristeza. Então ele chora de saudade: da festa, do pai e dele mesmo.

Eu estive no Carnaval de Olinda em 2020, sem nem desconfiar de que dali algumas semanas o mundo iria desabar. Mesmo alheio à esse contexto de grande devoção, eu pude sentir vividamente que aquela era uma festa que estava muito além das fronteiras e das ordens, dos palcos e dos ingressos. Era uma festa da rua e do povo.

Foi muito mais forte do que qualquer experiência que eu tenha tido em Fortaleza, ao longo de tantos anos. Quando uma orquestra de frevo ava, o som cravava imediatamente em quem estivesse ao redor, tomando os corpos por uma dança irresistível - de certo modo, era uma possessão. Minha experiência no Homem da Meia-Noite, figura mítica que inaugura o festejo com um desfile pela madrugada, foi tão extensa que nem cabe mais aqui.

O 29º Cine PE segue até o dia 15 de junho com cobertura do O POVO.

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